quinta-feira, 27 de outubro de 2011
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Mau tempo no canal
João Garcia chegara ao ponto do Zimbreiro de onde se descobria o Canal, estendido entre a depressão da Horta e o cone escuro do Pico, àquela hora estrangulado por uma nuvem lilás.A falésia não dava ali lugar a nada que fosse verdadeiramente verde; só alguma moita de "bacelo", que os caiadores apanham com risco de vida para comporem as brochas, espreitava na pequena queimada. De vez em quando, um bando de pombos bravos cobria o céu, e o seu levante soava esvoaçado e súbito na rocha aprumada ao mar.
Uma fenda de lava atraíu a atenção de João Garcia. Estava mais contra a terra, abrigada pelo resto de um muro de um antigo cerrado de trigo, agora inçado de grama e de junçais de baga seca. Um forrozinho de penas e de palhas vestia aquele recôncavo.E no meio da aspreza do Zimbreiro, entre o mar escuro da hora da tarde e da rocha empinada e negra, aqueles restos de ninhos pareciam um último apelo à vida, uma esperança escapada à dureza e ardor do verão. João Garcia agarrou-se aos penedos que defendiam a fenda forrada e marinhando por eles com uma ligeireza perigosa, contendo a respiração na esperança de achar um ser vivo,espreitou o esconderijo. Um pombo espantado, deixando um punhado de penas na boca da furna, ergueu voo. Um tiro partiu. A bala zunira a pouca distância e João Garcia, estendendo-se no chão, gritou:
-Eh, lá!...
(excerto do capitulo XXI, do livro Mau tempo no canal, de Vitorino Nemésio)
PS. Um dos meus livros favoritos, um romance sobre amores ambíguos
terça-feira, 25 de outubro de 2011
se eu soubesse que voando...
Se eu soubesse que voando
alcançava o meu desejo
mandava fazer as asas
que as penas são de sobejo...
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
As musas cegas
Bate-me à porta,em mim, primeiro devagar.
que eu sou. Que eu serei até não sei quando.
Sempre devagar, desde o começo, mas ressoando
depois
ressoando violentamente pelos corredores
e paredes e pátios desta própria casaque eu sou. Que eu serei até não sei quando.
É uma doce pancada à porta, alguma coisa
que desfaz e refaz um homem.Uma pancada
breve, breve
e eu estremeço como um archote.Eu diria
que cantam, depois de baterem, que a noitese move um pouco para a frente, para a eternidade.
Eu diria que sangra um ponto secreto
do meu corpo e a noite estala imperceptivelmente
ou se queima como uma face.Escuta:
que a noite vagarosamente se queima
como a minha face.
Herberto Helder
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
terça-feira, 18 de outubro de 2011
O macaco da tinta
" Este animal abunda nas regiões do Norte e tem quatro ou cinco polegadas de comprimento;está dotado de um instinto curioso;os olhos são como cornalinas e o pêlo é negro-azeviche, sedoso e flexível, suave como uma almofada. É muito afeiçoado à tinta da china e quando as pessoas escrevm, senta-se com uma mão sobre a outra e as pernas cruzadas, à espera que acabem e bebe a tinta que sobra.Depois volta a sentar-se de cócoras e fica tranquilo."
O Livro dos Seres Imaginários, Jorge Luís Borges
sábado, 15 de outubro de 2011
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